Tania costumava ser doce, nunca se indispôs com o pai, tratava-o com respeito e carinho embora pensasse sempre em como ele podia ser tão cruel.
Sentia muita falta da mãe, todas as semanas levava uma flor no seu túmulo e passava horas chorando e conversando com ela em pensamento, sem que ninguém jamais soubesse disso, e sem que ninguém visse, repetia a visita há mais de 20 anos, era a forma que encontrava para não sentir raiva do pai, que a manipulava como se ela não tivesse vontade própria e nem sentimentos, aliás, o pai fazia isso com todos a sua volta.
Mas essa mulher tão comum, que não despertava a atenção de ninguém, de hábitos simples, de presença quase ?insignificante?, guardava no peito uma tristeza imensa, nem ela própria sabia o motivo, pensava mesmo em como conseguia ser tão submissa ao pai, em como acatava tudo o que ele determinada, mas não conseguia reagir, é como se ele fosse a pessoa mais importante da sua vida, pois guardava pelo pai o amor mais puro, queria protegê-lo já que a mãe não estava mais ali.
Desejava ser como a mãe, pois sabia que Vânia era a única pessoa no mundo capaz de convencer Marcio a alguma coisa, pois com seu jeito e meiguice, a mãe lhe acalmava os dissabores da vida, as angústias silenciosas que jamais compreendeu.
Não podia ter filhos, como desejava tê-los! E o pior era esconder tal infelicidade para não potencializar ainda mais os dissabores do pai, que tanto sonhava com a continuidade da família.
Não amava o marido, casou-se para satisfazer as vontades do pai, contudo, jamais confessaria isso nem aos anjos, ou melhor, aos anjos contaria sim, um dia gritaria a eles que não foi feliz na vida, não teve sorte, não pôde ter filhos e nem se casar com o homem que amava, perdeu a mãe muito cedo e nunca teve o pai, por mais que passasse todo o tempo tentando ser amada por ele.
Sentia-se feia, mas Tânia não era feia, ao contrário, a beleza estava escondida atrás de uma infelicidade injustificada que nem os médicos puderam tratar. Sabia que o problema estava na alma, mas disso não entendia bem, espírito pouco evoluído, não conseguia enxergar razões na própria razão.
Muitas vezes sentiu pena do irmão, achava mesmo que ele era ainda mais infeliz e se perguntava por que tanta infelicidade?
Marcos e Tania cresceram juntos, pouca diferença de idade havia entre eles, mas a irmã percebia o quanto o pai rejeitava o primogênito e o quanto a mãe se empenhava para manter as aparências, mas quando o irmão teve que ir embora para tentar superar a tragédia adolescente, a mãe foi aos poucos morrendo e as diferenças entre pai e filho aumentavam a cada novo ano.
Bem que Tania tentava disfarçar, aproximar os dois, pois sentia que sua mãe lhe pedia isso nas visitas semanais que fazia a ela, mas parecia impossível e nos últimos anos ela estava quase desistindo de interceder pela melhora da paz, sabia que não era nem parecida com a mãe e que não conseguiria.
Ibaiti era o seu mundo, tudo que precisava estava ali, ou ao menos tudo que fazia sentido para ela. Costumava ver beleza nas paisagens do caminho por onde quer que fosse, ensinamentos da mãe que lhe dizia sempre para observar os horizontes.
Pensava muitas vezes que sua vida era pequena, tinha poucos amigos, quase não convivia com o marido que praticamente morava na capital, não se interessava por política e nem por fazendas, portanto conversava o mínimo com o pai. Ia à missa todos os domingos, à academia a semana toda, lia muito e passava a maior parte do tempo cuidando das plantas da mãe.
Tinha um vício e escondia de todos, só Maria a cozinheira da casa, que a criou com amor maternal (e que jamais se deixou influenciar pela arrogância do patrão quando tantas vezes pensou em pedir as contas), pois queria estar sempre ao lado da menina que ela, empregada, nem entendia o porquê de tamanha consideração.
Maria procurava ajudar Tania, queria tirá-la do vicio, vivia para disfarçar de todos, mas os demais empregados sabiam de tudo, comentavam entre si do alcoolismo da filha do patrão e da incapacidade do pai em perceber, dentro da sua casa, uma alcoólatra que bebia escondido desde quando a mãe estava desenganada, ou seja, há mais de 25 anos que aquela mulher sem vaidade, sem graça, sem amor e sem sorrir, matava a própria vida em doses diárias.
Bonito mesmo era ver aquelas paisagens ibaitienses, então, todas as vezes que Tania estava triste, da janela de seu quarto, na fazenda preferida do pai (a quem ela nunca abandonava, por mais inexplicável que parecesse), podia avistar a mais linda paisagem que esta vida lhe pôde mostrar.
E escreveu com linhas fortes da persistência para sobreviver a uma vida sem graça, as cores do seu mundo, às que escolheu como suas, as belas cores da natureza que nos limpam a alma das dores absorvidas pelos caminhos e que nos secam os olhos das lágrimas que não rolam pela face, repetindo costumeiramente um verso que nunca esquecia, pois cresceu ouvindo a mãe repeti-lo: