Vera é uma seguidora querida que já me contou outras histórias suas no quadro ?Crônicas da Vida?; ela tem compartilhado momentos incríveis e sinto um enorme prazer em contar suas passagens ?por aqui?.
Mas especialmente a história de hoje, muito me perturbou e confesso que permaneci dias pensando em como iria contá-la no quadro, e depois mais algum tempo tentando mostrar a ela o resultado dessa ?tradução que fiz dos seus sentimentos?, e, graças a Deus, ela aprovou!
Vera é ainda jovem, mas começou a trabalhar cedo para ajudar a família, por isso embora bem nova já tem quase 32 anos de profissão. Conta que no começo detestava o que fazia, se envergonhava de ser enfermeira ?prática? porque o que parecia contar para alguns era o ?diploma? (que ela não tinha), por isso, por sugestão do amigo Mário resolveu fazer um curso técnico e acabou obtendo o certificado tão cobrado, ainda que confesse que seu maior aprendizado advenha da prática, do tempo em que exerceu a profissão por necessidade e que acabou por se empenhar em ?dar o seu melhor?.
Contudo o tempo foi passando e Vera teve que se ?virar como pôde?, sem conseguir pagar as contas de casa (separada que é) e sustentar o filho, acabou arrumando serviços extras de cuidadora de idoso e de crianças deficientes, enfim, acabou focando na necessidade de trabalhar e desenvolveu uma metodologia ?de fazer o que precisava sem gostar do que fazia? (confesso que achei muito interessante a sua forma de encarar a realidade!).
A enfermeira prática (agora técnica) contou várias passagens que presenciou na profissão, pessoas que morreram segurando a sua mão (falou de uma mulher que lhe pediu para tirar o esmalte antes de morrer e que ?descansou? aliviada depois que ficou sem as unhas vermelhas); de um bebê que deram como morto e que depois ressurgiu misteriosamente (como se nunca tivesse morrido!); contou-me passagens em que ouviu pessoas chamando por ela nos corredores do hospital da pequena cidade onde trabalhava (em plantões noturnos), narrou vários momentos felizes em que teve comida ?gostosa? para levar para o filho (porque deixou de comer alguns alimentos que ganhava dos acompanhantes dos pacientes) e até de um cachorrinho que encontrou no pátio do hospital certa vez e levou para casa. Lembra-se de momentos difíceis onde o medo quase a aterrorizou e que fechava os olhos e pedia a Deus para sobreviver ao sofrimento de tantas mortes que viu ocorrer e que não pôde evitar.
Vera se lembra de mortes que ocorreram por erros de colegas, pessoas que poderiam ter sobrevivido e que ?se foram sem dizer Adeus aos seus? e essas lembranças foram transformando seu coração e a sua alma.
Mas a história mais impressionante que me contou (e uma das mais fortes que já ouvi) foi do porteiro com quem sempre conversava nas suas noites de plantão (por anos seguidos) e que jamais esqueceu.
Vera conta que conheceu Mário em uma noite muito fria, quando procurou um cantinho no relento (fora da ala que trabalhava) para chorar e que estava desesperada com a morte de uma mulher que partiu segurando sua mão e pedindo para não morrer, e ele chegou ?do nada? para lhe consolar
.
Depois foram noites seguidas em que o amigo aparecia para tornar seus plantões mais felizes e ela lhe contava coisas que a faziam lembrar a infância. Vera não esquece que com a ajuda de Mário aprendeu a suportar tantas dores da alma, quando conversavam nas noites mais tranquilas sobre coisas do passado.
Ela lembra que Mário era sereno, do tipo ?sem graça? que as mulheres não costumam se encantar, mas sempre bem humorado e espirituoso lhe dava bons conselhos e sugeria sempre o bem, lhe ajudando a se melhorar espiritualmente e oferecendo sua amizade sincera, mas sem nunca lhe falar nada sobre a sua vida.
Um dia Mário veio se despedir de Vera, disse-lhe que precisaria partir, disse que ela ficaria bem e que quando sentisse saudades ele estaria por perto.
Foi quando Vera percebeu que Mário era um pouco estranho, nunca falava de si, e também que nunca, nunca conversaram na frente de outras pessoas. As conversas saudosas que Vera se lembra (inesquecíveis para ela), quase sempre Mário tentando convencê-la da beleza da profissão (que ela não gostava), foram sempre só entre os dois.
Certo dia, quando estava muito triste com saudades do amigo, recebeu a notícia de que seria transferida para a ala pediátrica, a ala onde trabalha até hoje e que por incentivo dele buscou a transferência; então resolveu procurar o setor de Recursos Humanos do hospital para descobrir o endereço de Mário, já que ele havia pedido demissão há poucos dias, queria lhe contar que por seu incentivo conseguira a transferência para a ala pediátrica. Foi quando descobriu que nunca existiu um funcionário chamado Mário, porteiro na ala do necrotério (onde ele dizia trabalhar), aliás, não tinha esse ?tal Mário? em lugar algum.
Vera nunca entendeu o ocorrido e a saudade do amigo ainda não passou. O certo é que Mário (com quem dividiu suas noites por anos e compartilhou momentos felizes), deixou saudades profundas e a certeza (no fundo do coração) de que o reencontro está marcado para ?qualquer hora?, no tempo de Deus.?
Vera, amei contar sua história e também tenho certeza (por tudo que conversamos) que esse reencontro é certo como tudo que o seu querido amigo te ensinou.
Gratidão por me permitir compartilhar com outras pessoas a sua história mais especial, tenho certeza que muita gente vai torcer por você e por esse reencontro, seja lá onde for.